Crítica - Mesmo que superficial, "Quarteto Fantástico: Primeiros Passos" é aventura sólida e carismática

Crítica - Mesmo que superficial, "Quarteto Fantástico: Primeiros Passos" é aventura sólida e carismática

6 min.

24/07/2025

Guilherme Salomão

No cinema, a jornada do Quarteto Fantástico, equipe de heróis criada em 1961 por Stan Lee e Jack Kirby, sempre foi conturbada e cambaleante. A história da família formada por Reed Richards, Sue Storm, Johnny Storm e Ben Grimm na sétima arte tem direito a filme finalizado, mas cancelado de última hora em 1994; duas produções que nunca caíram nas graças dos fãs em 2005 e 2007 (Quarteto Fantástico e Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado, respectivamente); e, por fim, uma tentativa completamente fracassada de reboot em 2015.

É diante desse cenário que os heróis de Lee e Kirby chegam à sua quarta tentativa de dar certo na telona — agora pelas mãos do Marvel Studios, que finalmente obteve os direitos dos personagens após a compra da Fox pela Disney. A direção está nas mãos de Matt Shakman, nome já conhecido pelos fãs pelo seu trabalho em WandaVision, minissérie original do Disney Plus.

Olhando para trás no tempo, uma coisa parece quase certa: todas as produções do Quarteto Fantástico até os dias atuais compartilham algo em comum — a dificuldade de trazer peso e profundidade para esses personagens e para o universo que os cerca como um todo. Por mais que haja lampejos, os filmes sempre acabam soando superficiais e de soluções fáceis.

Quarteto Fantástico: Primeiros Passos, dito isso, chega com a missão de ser a redenção do grupo. Finalmente trazendo prestígio e unanimidade entre os fãs. Uma missão árdua, mas não impossível.

A primeira cena do longa, de cara, já é um momento intimista entre a Sue Storm de Vanessa Kirby e o Reed Richards de Pedro Pascal. Logo depois, uma montagem de estilo retrô, nos moldes de um programa de televisão ambientado nos anos 60, traz um resumo sobre o Quarteto Fantástico. Por trás de um simples momento sentimental ou de uma forma divertida de recapitular a origem de suas figuras centrais, já ficam claras algumas das melhores intenções, ideias ou qualidades dessa nova empreitada, que visa acertar, de uma vez por todas, no tom da icônica equipe de heróis da Marvel para a tela grande — sobretudo com relação a conceitos visuais ou à própria construção dos protagonistas.

Apesar de recursos como cortes dinâmicos e telas divididas em momentos como os dessa montagem, no geral, a experiência de assistir Primeiros Passos soa menos apressada que a de seus antecessores — principalmente no sentido de estabelecer a trama ou de trabalhar as resoluções para os conflitos propostos. As cenas de ação, por exemplo, se dão o direito de serem mais extensas. Há percalços interessantes a serem enfrentados e superados pelo grupo, planos mirabolantes a serem desenvolvidos para que seus objetivos sejam concluídos, e mais tempo de tela para se trabalhar até mesmo as interações do grupo com o próprio vilão do longa, Galactus — interpretado por Ralph Ineson.

Nesses bons momentos, o heroísmo está lá. A dinâmica familiar também. Além disso, mais do que heróis amados, o Quarteto é estabelecido como figuras públicas e sensação midiática. Estrelas de talk shows americanos adoradas pelas massas por seu idealismo em proteger o mundo de ameaças — cada um com sua função, liderança ou personalidade. O elenco — que além de Pascal e Kirby, também conta com Ebon Moss-Bachrach como Ben e Joseph Quinn como Johnny — , nesse sentido, é um acerto. De longe, o melhor já escolhido para protagonizar uma aventura desses personagens. Se, nas outras versões, algum membro soava deslocado, como a Sue Storm de Jessica Alba nos filmes dos anos 2000, ou se a química simplesmente era inexistente, como no reboot de 2015, Primeiros Passos contorna essa sensação.

O visual retrofuturista, de longe o maior dos destaques nos materiais de divulgação, cai como uma luva na produção. Traz um respiro para as produções da Marvel como um todo e combina muito bem com essa dinâmica familiar que o filme propõe. É um longa que foge dos filtros escuros e aposta na leveza das cores e no design de produção cuidadoso e arrojado — bem diferente de qualquer um dos filmes vistos anteriormente nesse universo cinematográfico. O clima, na maior parte do tempo, é “limpo” e muito agradável.

Entretanto, se há esses acertos, por outro lado o filme não deixa de ser um bocado superficial em outros pontos. O clima de aventura e de ficção científica é bem-vindo e entretém na maior parte do tempo, mas em nenhum momento ele cria peso ou perigo reais: nem para o fim de mundo iminente, nem para o fato de um dos integrantes da família estar em risco. A vinda de Galactus, por exemplo, se torna o mote para um conflito moral do Quarteto que nunca é aproveitado ou conduzido de forma brilhante narrativamente.

Todo o dilema soa artificial e se resolve num discurso expositivo, carecendo de um senso de urgência mais latente. O vilão possui escala em cena por meio dos planos gerais da direção de Matt Shakman, mas não se consolida como esse grande apuro de fato. No clímax, o sacrifício seguido de uma intervenção de certo personagem, ou a presença da Surfista Prateada de Julia Garner em si, não se faz sentir com a mesma inspiração que o design de produção em seus melhores momentos.

É, nesse sentido, que Primeiros Passos parece ficar em um meio-termo entre o tom “vazio” de Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado — uma obra de enredo bastante semelhante e que sofre, justamente, por trabalhar de forma rasa os seus impasses— e um longa realmente com camadas. Quanto a isso, talvez o problema esteja no fato de propostas como Galactus ou riscos de fim de mundo já serem cartas marcadas em filmes de herói. Mas Primeiros Passos ainda deixa uma sensação de que algo poderia ir além nessa catarse almejada.

Os dramas sobre maternidade e paternidade ou o senso de urgência para um fim de mundo iminente, portanto, podem não ser, de fato, a força motriz de Quarteto Fantástico: Primeiros Passos. Mas o filme, como um todo, não deixa de ser uma aventura de heróis honesta e “redonda”. Um longa que se desprende da ideia de multiversos do Universo Cinematográfico da Marvel e se dá o direito de ser sobre o Quarteto Fantástico em si.

O foco, assim como em Thunderbolts*, produção anterior do estúdio lançada ainda em 2025, é todo no próprio filme e na história sendo contada naquele momento. E aí mora um de seus maiores trunfos: a sensação de assistirmos não o novo capítulo de uma saga sobre multiversos (apesar de uma das cenas pós-créditos), com a necessidade de se ter acompanhado outras tantas séries e filmes, mas sim uma aventura descompromissada sobre a primeira família de heróis da Marvel. Esses, ainda que com questões pontuais, são bons “Primeiros Passos”.

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