Festival do Rio 2024: “The Seed Of The Sacred Fig” – entre o drama familiar, a tensão e a denúncia
Dentre os selecionados internacionais para o Festival do Rio de 2024, “The Seed of the Sacred Fig” é um dos que mais se destaca. O filme foi o mais premiado na edição deste ano do Festival de Cannes, com cinco prêmios — incluindo o Prêmio Especial do Júri e o FIPRESCI, reconhecimento dado pela crítica para o Melhor Filme da seleção.
Além disso, o longa conta com histórias de bastidores que por si sós já despertam a curiosidade. Perseguido pela República Islâmica do Irã, o diretor Mohammad Rasoulof fugiu do país para exibir o filme em Cannes, enquanto grande parte de sua equipe foi impedida pelo regime autoritário de deixar o país.
Na trama, Iman (Missagh Zareh) é um pai de família que vive com sua esposa Najmeh (Soheila Golestani) e suas duas filhas, Rezvan (Mahsa Rostami) e Sana (Setareh Maleki), na cidade de Teerã, capital do Irã. Recém-promovido a juiz pelo governo, ele e sua família se veem no meio de uma onda de agitação nacional quando uma série de protestos eclode por conta da morte de uma jovem pelas autoridades por se recusar a usar o hijab.
Em “The Seed of the Sacred Fig”, o que Rasoulof constrói é, essencialmente, um denso drama familiar que se torna o caminho para suas mensagens político-sociais — principalmente sobre a situação das mulheres em um regime político teocrático extremista. O roteiro, escrito pelo próprio diretor, parte de pressupostos conhecidos, como a mãe superprotetora, o pai ausente e as filhas rebeldes aos olhos daquela realidade.
O desenvolvimento dos personagens e as relações entre eles são minuciosos. Najmeh é a mãe que sempre apoiou o marido e seu trabalho. As filhas do casal, por sua vez, representam uma nova geração que enxerga a necessidade de mudança e liberdade — simbolizada em detalhes como o desejo de pintar unhas e cabelos. O embate delas com a mãe representa, então, um conflito geracional. E, embora ajude o pai a manter em segredo o seu trabalho — que, por essência, consiste em aplicar sentenças de morte — é notável como a mãe acaba cedendo à “causa” das filhas em determinados momentos.
O pai, porém, é o caso mais complexo. Iman, um conservador e adepto fervoroso do regime, inicialmente até sente certa culpa por seu trabalho. Para se proteger dos perigos inerentes, ele recebe uma arma, que desaparece misteriosamente em sua própria casa. O objeto, desde o princípio, tem sua importância ressaltada pelos inúmeros momentos em que é enfatizado pela decupagem de Rasoulof.
Assim, se de início o chefe da família sentia receio, quando a arma some, podendo gerar consequências negativas em seu trabalho, ele se torna cada vez mais paranoico e obsessivo, tentando descobrir qual das três é a culpada. A partir daqui, o filme parte para um embate direto entre o pai e suas filhas e esposa. A linguagem do diretor iraniano, que na maior parte do tempo é mais sóbria e composta por muitos planos fixos, nesse momento se rende à câmera na mão para uma sequência derradeira onde a tensão é predominante.
Essa parcela final é chocante por si só. Porém, assim como nas inúmeras passagens que destacam o uso de registros verídicos de manifestações e da violência policial, ela nutre um lado de denúncia por toda a situação extremamente palpável. Presenciamos nela o simbolismo do homem que absorveu toda a ideologia e o extremismo do regime totalitário contra três mulheres — uma das classes mais prejudicadas pelos ideais fundamentalistas desse tipo de governo.
Porntato, por mais que o roteiro do filme pareça querer abraçar muitas situações em dados instantes, o todo se encaixa de forma satisfatória. A entrega de todo o elenco é ótima, e “The Seed of the Sacred Fig” ainda se dá ao direito de ser mais impactante quando acha necessário em momentos específicos — como num longo plano fechado no rosto de uma jovem amiga das filhas do casal, tomado por estilhaços após ter sido atingida em meio a uma manifestação.
Não será surpresa se o filme marcar presença na vindoura temporada de premiações. O longa de Mohammad Rasoulof é um caso típico que atrai holofotes não só por seus bastidores, mas também por toda a relevância do seu tema principal e pelo choque na forma como é abordado.
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