
Resenha – Sandman (2ª temporada, 2025)
3 min.
30/07/2025
Ériton Cláudio
"Um sonho belíssimo, mas interrompido antes de alcançar sua plenitude."
A segunda temporada de Sandman chegou como um sussurro hipnótico: delicada, melancólica e visualmente arrebatadora. Baseada nos icônicos quadrinhos de Neil Gaiman, a produção retorna com uma ambição narrativa imensa e um estilo visual que continua entre os mais sofisticados da TV atual. No entanto, ao tentar abraçar demasiadas tramas e simbolismos, a série se vê dividida entre a fidelidade ao seu universo e a dificuldade de amarrar sua complexidade em uma narrativa coesa.
Dividida em dois volumes, lançados em julho de 2025, a temporada mergulha nas questões mais existenciais de Morpheus (Tom Sturridge), enquanto ele reconstrói seu reino, enfrenta os próprios erros e lida com uma ameaça iminente anunciada pelas Bondosas. Ao lado de seus irmãos Perpétuos, Sonho encara conflitos familiares, revisita romances fracassados e embarca em jornadas mitológicas – do Inferno à busca por Destruição, passando por reencontros trágicos com seu filho Orpheus.
A temporada tem momentos de absoluto brilho. A ambientação onírica continua sendo um espetáculo à parte: o Sonhar, o Reino das Fadas, o Inferno e as diversas paisagens de delírio e desespero são representados com inventividade e capricho visual. Gwendoline Christie entrega uma performance magnética como Lúcifer, enquanto Sturridge mantém o peso emocional e filosófico de Sonho com uma atuação contida e densa. Kirby Howell-Baptiste (Morte), Mason Alexander Park (Desejo) e Esmé Creed-Miles (Delírio) ajudam a dar fôlego aos momentos em que o foco se desvia de Morpheus – algo que, ironicamente, traz mais frescor à narrativa do que o próprio protagonista.
Narrativamente, porém, a série tropeça. O roteiro, coescrito por Allan Heinberg, David Goyer e o próprio Neil Gaiman, tenta dar conta de arcos simultâneos que nem sempre dialogam bem entre si. A busca por Destruição, o drama com Nada, a rivalidade com as Bondosas e o relacionamento entre personagens como Johanna Constantine e o Corinthian criam camadas densas demais para apenas oito episódios. Essa fragmentação enfraquece a progressão dramática e compromete o equilíbrio entre o filosófico e o emocional – algo que a primeira temporada havia conseguido com muito mais graça.
Outro problema reside no tom excessivamente melancólico. A tristeza é parte essencial de Sandman, mas aqui ela domina a cena, sufocando nuances como o humor negro, a ironia e a excentricidade que fazem dos Perpétuos personagens tão fascinantes nas HQs. A série perde parte do encanto peculiar que a distinguia, assumindo uma atmosfera quase fúnebre do início ao fim – o que se intensifica com o encerramento precoce da história.
O desfecho, no entanto, é visualmente impactante. A morte de Morpheus e a ascensão de Daniel Hall (Jacob Anderson) como o novo Senhor dos Sonhos é conduzida com peso simbólico e beleza poética, encerrando o ciclo de forma digna, ainda que abrupta. Anderson, mesmo com pouco tempo de tela, transmite a serenidade e o frescor de um novo começo, sugerindo possibilidades que infelizmente não serão exploradas.
É impossível assistir a esta temporada sem sentir a frustração pelo seu cancelamento. Sandman tinha fôlego para muito mais. Sua mitologia é vasta, rica e emocionalmente poderosa – e com planejamento e tempo, poderia render diversas temporadas tão impactantes quanto as histórias originais de Gaiman.
Veredito
A segunda temporada de Sandman é uma obra visualmente deslumbrante, emocionalmente intensa e, por vezes, narrativamente dispersa. Ainda assim, consegue oferecer momentos de profunda beleza e reflexão. Mesmo com seus tropeços, permanece uma adaptação corajosa e artisticamente notável – uma pena que tenha sido forçada a se despedir tão cedo. Como um sonho interrompido, deixa saudade e o gosto amargo do que poderia ter sido.